Foi, sim, uma longa viagem. Que começou em Guaramiranga, na região serrana do Ceará e terminou em Poconé, cento e poucos quilômetros de Cuiabá. Minas Gerais, Ceará, Rondônia, Espírito Santo, Piauí, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Amapá, Tocantins, Mato Grosso... Uma aventura de teatro que bem poderia virar um roteiro de cinema, bastando que se acrescentasse aqui e ali alguns elementos de pura ficção e, quem sabe dourando a pílula de outros acontecimentos inusitados. Eu imagino que seria um filme sobre a arte e seus significados, alguns mais importantes, outros menos, conforme o artista e conforme o público. Porque posso garantir, de experiência vivida, que, literalmente do Oiapoque ao Chuí, nossos brasileiros vêem a mesma coisa de formas muito diferentes. E isso é rico e é impactante. E pude vivenciar em sangue e carne, essa vivência, tanto como autor, quanto diretor e quanto (mais que tudo!) ator. Num espetáculo tão aberto quanto “O Evangelho Segundo São Mateus”, houve momentos em que nunca tinha a noção clara do quanto teatro é mensagem, história, catarse, diálogo, forma ou conteúdo. O que dizemos? Para quem? Qual a prontidão de nossos ouvidos? Até que ponto o olhar do artista está conectado ou desgarrado do olhar do público? Quando ainda não era ator desse espetáculo e o assistia emocionado, sempre tive a perfeita noção de que se nunca mais fizesse teatro, teria (dramaticamente) cumprido minha parte. Porque tudo o quanto acredito em termos humanos, é nesse suave e simples espetáculo que coloquei. Depois de 54 espetáculos pelo Palco Giratório do Sesc, sei que esse exercício “demasiadamente humano” é um vórtice de contradições e paradoxos. Porque nem sempre “ama a teu próximo como a ti mesmo” é mais importante que tudo. Mesmo que num esforço de direção (minha) e interpretação (dos atores) todos os cuidados tenham sido tomados para que a palavra abocanhasse o público. Foram três meses onde a fugacidade deu as cartas. Onde o momento presente nunca precisou ser tão acarinhado (como pediu Caio Fernando Abreu), porque mais que sempre, o presente transformava-se em passado num rotineiro check-out de hotel. E quantos foram, meu Deus! Quantos aeroportos, quantas estradas, quantas cidades, quantas pessoas, quantos beijos, quantos abraços, quantos climas e paisagens... e culinárias! Quantos alvoreceres e quantos pores do Sol! Parecidos sim, mas diferentes em emoção conforme a chegada ou a partida. Três meses depois alguns laços de confiança se estreitaram, algumas paixões artísticas viraram obsessão, algumas saudades do que poderia ter sido vivido com maior intensidade, não fosse tão rápida a passagem. Três meses depois algumas certezas viraram incertezas e outras se transformaram em simples poeira no tempo. Três meses depois de dezenas de quartos de hotéis, a certeza de que um “quase tudo”, de verdade, aconteceu! Desde a mais frágil futilidade, passando pela mais engraçada vulgaridade, até a mais complexa sutileza e a mais profunda experiência de vida! Três meses... um hiato! Três meses e um caminhar cuidadoso e às vezes irresponsável pela corda bamba do sonho e da utopia. Pra terminar este post sem muito sentido, uma citação de Fernando Pessoa, que nos acompanhou como eterno amigo e companheiro nesses três meses:
“Quando vier a próxima estação,
Se eu já estiver morto - por exemplo -
As flores florirão da mesma maneira,
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada,
A realidade não precisa de mim.
E eu sinto uma alegria imensa,
Em pensar que a minha morte
Não tem importância nenhuma!”
E também, como diria aquele que ninguém pode garantir direito se é realidade, mito, ficção, pura invencionice, crença ou necessidade:
“Ama a teu próximo como a ti mesmo!”
Três meses depois, a vida continua... e o nosso amor pelo teatro!
PS: A foto é do amigo e jornalista Edson, do site Cidade Rosa, de Poconé... nossa última apresentação no Palco Giratório/Sesc.