João Teófilo, de Sobral, disse: "Me lembra muito a Regina..."
domingo, 18 de setembro de 2011
O Sol Sobre a Estrada...
Parnaíba – Piauí
Teatro do Sesc = 13 de setembro
Público: mais ou menos 230 pessoas
Amigos: Ariston, Lili, Ana Maria, Samara e Seu Manoel.
Saímos da cidade de Floriano embalados por Roberto Carlos (que cantou a manhã inteira no Hotel Rio Parnaíba) e viajamos até a cidade de Parnaíba (litoral do Piauí) com a música de Paula Fernandes, que o Gustavo definiu como “claramente um ponto em comum entre os membros do Grupo Delírio”. No meu canto, na van, ouvindo “... eu quero ser pra você a lua iluminando o sol...” pela quadragésima sexta vez, lembrava de um filme que gosto muito: “Cinema, Aspirinas e Urubus”. Nosso road movie, pela paisagem de vegetação completamente diferente da do sul, não tem grandes conflitos, como também não tem o filme do ....., então que fiquei pensando um título para essa pequena viagem do Delírio pelo Ceará e por Piauí: talvez “Teatro, Viagra e Carnaúba” ou “Teatro, Cerveja e Sexo”, ou ainda “Teatro, baião de dois e côco”. Esse último não funcionaria, porque sexo, em atos e palavras está presente em pelo menos 90% desse nosso périplo. Mas que ninguém se iluda, somos sim, todos uns intelectuais e vamos levando nossa mensagem artística, Brasil a fora, com vigor e determinação. Participando de cabeça erguida do maior projeto de integração do teatro que este país já teve a oportunidade de experimentar, o Palco Giratório do Sesc! Afinal nosso objetivo principal é o de fazer arte. Sempre que tento definir essa aventura (e podem crer, não é fácil!), me vem a certeza de que, por algum caminho, que envolve nosso trabalho, nossa determinação, nossas paixões e sonhos, somos uns privilegiados e dividir o Brasil com nossas experiências e curiosidades é um presente! Mas enquanto não estamos no palco, encaramos a estrada, agora com Roberto Carlos cantando pela sexta vez: “por isso uma força me leva a cantar... o sol sobre a estrada é o sol, sobre a estrada é o sol...”. E a paisagem de mil e uma carnaúbas e mil e uma reflexões, passa veloz. Bye, Bye Brazil! Uma casa de pau-a-pique, paredes de areia, madeira trançada, teto de folhas secas; e ao lado uma enorme antena parabólica! Na porta, uma senhora meio gordinha com o celular no ouvido. Lá longe, não muito, a antena, comprida, esguia, se impondo no terreno. Tenho quase certeza de que dentro da casinha deve ter internet... E com wireless. Dá prá explicar? Até que dá. Foram-se as fronteiras da comunicação e por isso o teatro é cada vez mais importante, assim, por si só, por ser, por estar. Porque para o contato humano, vivo e sanguíneo, é preciso caminhar, um ir ao encontro do outro e se olhar nos olhos. Teatro não é falar o que foi decorado e ensaiado, não é dizer alguma coisa para o outro e depois virar as costas, não é repetir a opinião alheia, seja de um autor ou um diretor; teatro é viver uma história com o público. Experimentar o misterioso, ter a coragem de atirar-se no eterno, aquele que acontece num átimo de segundo. Goethe disse que para uma resposta inteligente é preciso uma pergunta inteligente. Então, que viajando pelas culturas, pelas outras experiências, é preciso ter sensibilidade para aceitar a inteligência alheia, compreendê-la; e depois responder. Não dá pra entrar em cena com a resposta pronta, porque aí deixa de ser teatro e tudo vira burocracia. Viajar pelo interior do Ceará e do Piauí é maravilhoso, mas a certeza da transformação é que dá arrepio de loucura! Quem seremos nós depois de tudo? Depois das dunas? Depois da viagem ao Delta do Parnaíba? Do “Sem Limite” narrado pelo Guilherme, que é a paz da brincadeira, a festa que é meninice, a inocência da sem-vergonhice! Quem vai ter a coragem de permitir a transformação do DNA? Quem permitir está salvo! Na estrada, às vezes a van tem que diminuir a velocidade para 10 km por hora porque as mulas, os bois e as vacas, na maior tranqüilidade, resolvem passear pelo asfalto. E assim como a vida dos outros nos obriga a alterar o ritmo da nossa, ela também, nos assalta com uma imagem ou outra de um cadáver de mula, atirado no acostamento, vísceras à mostra e os urubus rodeando; porque o primitivo e o moderno ainda não se entendem direito. Chegamos em Parnaíba e fomos para o Centro de Turismo e Lazer do Sesc. Parnaíba, atlântico norte, cada vez mais linda (aqui estivemos em 2007 com “Capitu”) e a brisa, a praia, as lagoas, se amolecem todos, no calor dos trinta e poucos graus. Na segunda-feira o passeio imperdível. Uma viagem de barco até a foz do Rio Parnaíba, quando o poderoso encontra o mar. Uma viagem de quase sete horas que pode ser “com emoção” ou “sem emoção”, conforme o freguês. Escolhemos “com emoção”! E é, de verdade, um encontro feliz com a natureza e com o orgulho dos nativos piauienses, que cuidam do meio ambiente, como cuidariam da própria alma. Tudo ali é beleza e livres, às margens do Rio Parnaíba, entre os igarapés e o mangue, encontramos jacarés, macacos, pica-paus, caranguejos, peixes e cobras; e filhos do vento (como o teatro), as dunas desenhadas a pena na paisagem e as lagoas entre elas e o mar, poderoso, solitário, barulhento, esperando pelo Grupo Delírio que atira-se nele como sereias e sereios. Il Sole Nella Pelle! E se você olha pra esquerda, vê o sol, vermelho intenso, bem próximo do horizonte e se aí, de imediato, olha para a direita, lá está a lua, cheíssima, branca, sorridente, quase irônica, provocante, sexy e exibicionista. Ah, a sensação de liberdade e plenitude! E chegou o dia de nossa apresentação, a terça-feira, às 15 horas, para (surpresa total!) uma plateia onde a maior parte era composta por crianças entre 8 e 12 anos! Nunca havíamos feito “O Evangelho...” para uma plateia tão jovem! É clichê contar do desafio, mas mais do que isso, foi uma história de adaptação, onde os atores olhavam-se durante a apresentação e combinavam as mudanças necessárias para que certas coisas fossem simplificadas, outras suprimidas, algumas alteradas e o compromisso de que o espetáculo continuasse vivo e firme, já que o texto elaborado e complexo deveria ser compreendido por um público muito jovem. Como disse a Regina, em algumas vezes tivemos a sensação de “tourada”, mas tudo fluiu muito bem e tivemos uma Santa Ceia abarrotada de crianças que abriram os braços, cantaram, riram, dividiram o palco plenas de alegria. Foi uma história. E daí? Finda a nossa aventura pelo Piauí, fomos tomar sorvete na Sorveteria Araujo (Caja, Buriti, etc) e depois muito caranguejo e mais torta de caranguejo, uma especiaria de Parnaíba que é pra deixar qualquer um maluco! Muito papo (claro, também sobre sexo!), muita festa e um fim de noite animadíssimo! E agora e fazer as malas, voltar para Curitiba e encarar a próxima semana quando vamos a Florianópolis e depois Porto Velho! E esperar o dia 8 de outubro quando começa a super mega viagem! Dois meses longe de casa! Vamos que vamos!
sábado, 10 de setembro de 2011
PERFEITO/IMPERFEITO
Floriano – Piauí
08 de setembro
Amigos: Josélia, Antonina e Clemilson
Teatro Maria Bonita –
Público: mais ou menos 200 pessoas
Floriano, uma cidade de pouco mais que cinqüenta mil habitantes, fica no centro oeste do Piauí, 250 quilômetros de Teresina. É banhada pelo Rio Paranaíba que divide o Piauí do Maranhão. Você olha para o rio e do outro lado está o Maranhão. Um rio veloz, forte e de margens distantes. Ontem, por exemplo, Guilherme, Tiago e Gustavo, caíram nele, sob o olhar preocupado do senhor Edson Bueno, preocupado, com seu radar sempre ligado. Mas daí que em Floriano também fizemos um espetáculo à tarde, às 15 horas e para algumas escolas. Uma nova garotada piauiense muito atenta e participativa. Como sempre o Gustavo e o Guilherme foram os reis da função e até deu pra ouvir um “Ahhhhh....”na plateia, nem um pouco tímida, quando o Gustavo, força no personagem, fala: “Eu, por exemplo, já traí algumas vezes o meu namorado.” Nosso espetáculo é tão espontâneo, tão movido pela aparência da improvisação que em muitas vezes o público confunde a realidade com o estado de interpretação. Daí que em Teresina, dias antes, estávamos eu e o Gustavo no quarto, ele no seu notebook, eu no meu, e ele fuçando o facebook. Lá pelas tantas, meio que falando pra ele mesmo, ruminou uma frase desconsolada, em tom de quase lamúria: “Quando eu fazia Viver e Cantar o Brasil, todo dia eu era adicionado por umas dez gatinhas; agora, no Evangelho só piás é que me adicionam....” Quá, quá! Coisas do teatro. Mas, e Floriano? Nossa segunda cidade do Piauí abriu os braços e fomos recebidos com todos os “bem-vindos” possíveis. E o espetáculo, que em determinados momentos assumiu ares de loucura total, foi fantástico! Recebemos aplausos em cena aberta por três vezes e eu só ouvia a Josélia, gerente regional do Sesc, mandar bala: “Vocês estão de parabéns! Que interatividade! Que serviço ao teatro!” Obrigado, querida. Você e a Antonina fizeram o carinho que os viajantes precisam ganhar quando estão tão longe de casa. E o calor!!! Minha Mãe do céu!!! Talvez o maior que enfrentamos até agora. Eu e a Cecé confessamos um para o outro que em determinado momento do espetáculo, até perdemos parte da concentração, como se a mente fugisse para algum lugar, longe, longe da sensação térmica, em cena, sob os refletores, de uns 50 graus! Na cabine, baixa, o Fernando e o Tiago operavam a técnica sem camisas e suavam em bicas. Outro amigo do Sesc, Clemilson, salvou-os com um suco de caju, no meio da função. Sentia-se o alívio do palco! E quando tudo dá tão certo, o calor é até uma benção, um up na história! Depois fomos para a beira do Rio Parnaíba, tomar cerveja e terminar a noite na beira da piscina do Hotel Rio Parnaíba, movidos a muito papo, muita cerveja e alguma.... ah! Sei lá! Mas aqui um detalhe, uma sensação que acaba movendo nossas vidas nessa peregrinação inesquecível: o sentido das coisas! Artísticamente, o que buscamos com o teatro? O Gustavo que anda lendo as cartas do Van Gogh para seu irmão Théo, conta de que o pintor não buscava a perfeição, porque já tinha alcançado a tal. Sei lá. A cada dia mais penso que a busca da tal perfeição, esculpindo a imperfeição é um pulo de gato. Enquanto erramos vamos acertando e buscando mais erros para encontrar mais acertos. Só acertos parece que, no teatro, espantam a humanidade, transformam o humano em natureza bela, mas morta.
“Gosto de uma maneira muito carinhosa do que é mal feito, inacabado,
Daquilo que tenta, desajeitadamente, dar um pequeno vôo e cai sem graça no chão.
Essa é a minha descoberta de todos os dias
Cada coisa é o que é, e é difícil explicar a alguém
O quanto isso me alegra
O quanto isso me basta
Basta existir pra ser completo.”
Clarice Lispector
E assim, felizes, mais do que satisfeitos, sob todos os calores do Piauí, descansamos no sábado, para no domingo cairmos na estrada em direção à Parnaíba, litoral norte. Seiscentos quilômetros de sol e asfalto. E a certeza de que por lá, nos esperam a Lili, o delta do Parnaíba e todas as coisas com caranguejo!!! Ah! E claro, um novo “Evangelho Segundo São Mateus”, tão delicioso quanto perfeito/imperfeito.
Rio Parnaíba - Aqui Piauí, do outro lado o Maranhão - Clique p/ampliar.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
TERESINA… Pouco mais de 24 horas!
Teresina – 8 de setembro – 15h00
Público aproximado: 350 pessoas
Theatro 4 de Setembro
Amigos: Nonato e Lucas.
Nossa passagem por Teresina foi mais do que meteórica. Hiper, mega brilhante, mas num sopro de luz! Chegamos na quarta-feira às 16 horas e na quinta, às 19 horas já estávamos pegando a estrada para Floriano, que entre outras coisas, tem a segunda maior Paixão de Cristo do Nordeste. Como a Ópera de Arame em Curitiba, a cidade cenográfica é um ponto turístico. Mas antes, Teresina! O espetáculo foi às 15 horas, para 350 adolescentes (mais professores) de escolas, entre elas o Liceu Piauiense. Estávamos meio preocupados porque fazer o espetáculo para a garotada, que ao invés de estar tendo aulas, estava no teatro, meio como obrigação, é sempre uma equação de mil e uma variáveis. Mas, não dá pra dizer que foi surpresa, já que a garotada de Teresina deu uma lição de amor pelo teatro, interesse e carinho. Foi um espetáculo maravilhoso, com quase 350 meninos e meninas participando das ideias do nosso Evangelho, palavra a palavra, numa interação (para o nosso caso), histórica. Uau! O Guilherme e o Gustavo viraram ídolos e as menininhas fizeram filas para abraçar, beijar e tirar fotos. Nosso espetáculo atinge significados inesperados e vamos descobrindo os caminhos dele conforme o público. Sabemos que fazer teatro no Nordeste tem um significado especial, porque os nordestinos têm a arte na alma e compreendem o seu significado no sangue que corre nas veias. Conta-se que em Teresina nascem teias de aranha nas árvores, porque não venta e o calor ferve na cabeça. Se nascem teias não sabemos, mas que é um calor da “mulésta” não resta a menor dúvida. E agora, uma história, emocionante, ilustrativa do público lindo dos meninos e meninas de Teresina. Ao final, chega-se a mim um garoto de 12 anos, Lucas, e que me fala de Machado de Assis. Conta que já leu quase todos os livros dele e que só faltam “Memorial de Aires” e “Iaiá Garcia”. Diz de sua paixão por Machado e com o maior orgulho e determinação completa: “O senhor saiba que eu vou ser um grande escritor e que vocês vão ouvir falar de mim!” Arrepiei de emoção e me deu vontade de ser um deus qualquer, para com qualquer passe de mágica, transformar aquela determinação em realidade. Mas, se tudo começa com um sonho, tudo segue com ações e não sei por que, mas alguma coisa cósmica, sei lá, me garantiu que aquele menino, Lucas, vai ser tudo isso! E depois, quando eu já estava quase me desmanchando em emoção, ele me pergunta: “O senhor acha que Capitu traiu Bentinho?“ E eu: “Acho que traiu.” E aquele menino de 12 anos me responde com olhos sábios: “Eu tenho certeza que ela traiu. Porque ela tinha que trair para provar o seu amor por ele. Foi por amor!” E eu, se agora que escrevo, fico emocionado, quase me desmanchei em felicidade. E a certeza de que naquele menino de 12 anos, que talvez eu nunca mais veja, está a certeza de que a arte vale a pena e que tudo na vida tem sentido. Como diz Fernando Pessoa, e em nossa peça pela boca agora da Cecé: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.” Realizados, felizes com nossa passagem fugaz (mas não superficial!) por Teresina, entramos na van e seguimos pela estrada, à noite, com o céu mais do que estrelado e que, vez ou outra, presenteia com estrelas cadentes, para Floriano. A estrada? Viagem cuidadosa, porque tem boi nela. O que é isso? Os bois, vacas e terneiros sentem frio na vegetação e vêm para o asfalto, esquentar-se, então que é um perigo! Mas isso é história para o próximo post. O de nossa aventura em Floriano, onde dizem, mas eu não acredito, é menos quente que Teresina. De qualquer maneira, de uma coisa não temos dúvidas: na alma e no coração, tão quentes quanto!
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Calor pra todos os lados!
Sobral – Ceará
05 e 06 de setembro
Amigos: Cris, Tony e Elano
Teatro São João –
Público: mais ou menos 160 pessoas em duas apresentações
Quando saímos de Guaramiranga para Sobral, um dos técnicos do Teatro Rachel de Queiróz brincou: “Vão para Sobral? Não esqueçam de levar agasalhos!”. “De lã?”, eu perguntei. “A mais grossa possível!”, ele respondeu gargalhando. Pois viajamos pelo interior do Ceará, pela paisagem de rochas estranhíssimas e belas, carnaúbas e casebres de pau-a-pique, uma mistura de marrom e verde nas folhas resistentes. A caatinga, paisagem brasileira de cinema. É uma viagem de não mais que quatro horas; mas instrutiva, didática, a oportunidade de conhecer um Brasil com outra quentura e texturas que trazem a marca da resistência. Não é fácil conviver, entre outras coisas, com o sol a pino, literalmente torrando o cérebro. Chegamos em Sobral e entendemos o “agasalho”. É muito, muito calor. Alguém diz que se não tivesse o sol seria um forno. E, orgulhosos, os moradores, amigos, contam piadas sobre o clima. Dizem, por exemplo, que em Sobral só existem duas estações no ano: o verão e o inferno! Ou que quando o cearense morre e vai para o inferno (os que vão, claro!), leva um cobertor. Dá pra ter uma ideia, porque não é apenas a questão dos 36 ou 37 graus. É que parece 50 graus! E vamos para o Teatro (Theatro) São João, fundado em 1800, preparar o espetáculo da primeira noite. Na plateia não mais que 50 pessoas, mas também, era apenas segunda-feira! E já fizemos amigos, uma garotada arretada, cheia de vida e boas-vindas (como o Lucas e o João) que já foram contando a história de Sobral, sobre o dia que a Princesa Izabel passou uma noite aqui, sobre o metrô que vai sendo construído, antes mesmo de Fortaleza, sobre o Arco de Nossa Senhora de Fátima e ainda as fofocas sobre alguns políticos, que, claro, não vou ser indiscreto e contar aqui. Foi uma apresentação feliz e quente como era de se esperar e prever que a do dia seguinte seria poderosa. A receptividade da plateia era tal que tínhamos a certeza de que cada espectador traria mais uns 3 ou 4 para o dia seguinte. E de fato aconteceu. Na terça o teatro estava lindo, cheio e animado. E a impressão era a de que os 50 do dia anterior estavam todos lá, de novo, agradando os curitibanos deslumbrados. Quando chamamos voluntários para a ceia, foi uma explosão imediata. Sorriso largo, todos queriam subir no palco, tomar vinho, comer pão e compartilhar o espetáculo. Nunca a Santa Ceia foi tão plena e abarrotada, porque afinal de contas, nela não estavam só os 12 apóstolos. Haviam os penetras, com certeza. Penetras não retratados por Da Vinci, mas garantidos pelo Grupo Delírio. E nas palavras do Guilherme, lá estava até o apóstolo “etc”, firme e decidido. E nossos amigos nos levaram para uma última noite de passeio pela cidade. Vale dizer que à noite bate uma brisa friazinha em Sobral e tudo fica delicioso, com a lua encheiando e o Gustavo dando palha, cantando “Garota de Ipanema” num bar, com o Lucas ao violão. E cerveja, claro, que ninguém é de ferro. Não dá pra dizer que “O Evangelho Segundo São Mateus”se modifica à medida que o Palco Giratório avança, mas dá pra dizer que se poetiza, amadurece conforme cada plateia, ganha contornos e cores inusitadas, enriquece, porque é um espetáculo feito de colaboração. A Cecé entra pela porta da frente, contribuindo com espontaneidade e graça, muita arte e emoção. E o nosso espetáculo, filho de Fernando Pessoa e São Mateus, afilhado de Pasolini, Nietzche, Dostoiévski e Clarice Lispector, parece o sangue que corre pelas nossas artérias. “Palco Giratório é muita felicidade, mamãe”! Perdoem a piada interna. Ah! E só pra registrar, uma senhorinha na plateia, lá pelas tantas, diz para a outra senhorinha ao lado: “Eles são uns pecadores! Mas são tão lindos...! “
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Subindo a serra...
Guaramiranga – Ceará
03 de setembro
Amigos: Felipe e Neto
Teatro Rachel de Queiroz/Teatrinho –
Público: mais ou menos 180 pessoas
Não foi a primeira vez que o Grupo Delírio subiu a Serra Cearense. Em 2007 estivemos aqui com “Capitu”. Na época foi uma apresentação meio estranha porque encenamos “Capitu” no grande teatro, numa distância muito grande entre o palco e a primeira fila de cadeiras, uma reverberação total e tudo foi muito grande para o espetáculo íntimo que tínhamos nas mãos. Só que Guaramiranga, na serra cearense, é uma fantasia, um pedacinho de paraíso entre morros, um friozinho delicioso de 15/16 graus à noite, música constante (e música boa!), restaurantes ótimos, uma feira de artesanato com comidinhas da terra, feitas com cuidado e preço muito baixo. E o Festival Nordestino de Teatro (em 2011 já é o 18º), traz para a cidade uma galera animadíssima que vibra com a cena e canta e dança enquanto o teatro não está acontecendo. Dessa vez, até porque o grande teatro está para reformas, nosso refúgio foi o pequeno, de pouco mais que 140 lugares fixos. Logo cedo, pondo os pés no seu palco, para a montagem do cenário e iluminação, bateu uma certeza, certezíssima, de que seria uma noite inesquecível. Foi. Mas a nossa volta para Guaramiranga tinha algumas novidades. A Cecé estaria estreando sua substituição. A Janja ficou em Curitiba, nos seus 7 meses do Théo e a Cecé, com seus cabelos encaracolados, grandes olhos, boca de poesia, que pode ser comparada à fruta, flor ou cor, esperava seu momento de falar Fernando Pessoa, Nietzsche, Dostoievski e Clarice Lispector. E claro, de por a mão na massa! Ensaiamos e eu olho para os lados e vejo o quanto o Grupo Delírio se metamorfoseou neste 2011! Costumo dizer que tudo está acontecendo como esperávamos, só que de outra maneira. E a alegria está sempre presente, coisa que impressiona. Alguém se surpreende com nossos figurinos que nem são, nossa espontaneidade minutos antes do espetáculo e um tipo de concentração que nada tem de ritual, mas de olho no olho. Esperamos sempre, ansiosos, pelas primeiras trocas de olhares com o público, para sentir o vento que nos levará ao espetáculo. Teatro abarrotado de gente generosa e até alguns franceses e uma espanhola. Lá fui eu contar do Delírio e encerrei o prólogo, na maior cara de pau, dizendo que iríamos “arrasar”! A Regina cochichou que “olha lá!”. Vamos lá, ver o que acontece. E há 3.700 quilômetros de Curitiba, vivemos um espetáculo memorável! Pra lavar a alma e encerrar de uma vez por todas a pedra no sapato que foi “Capitu” em 2007! É preciso dizer que “Capitu” em 2007 foi um belo espetáculo, apenas foi aquém de tudo o quanto já tínhamos vivido pelo Palco Giratório. E Guaramiranga em 2007 marcou algumas coisas inesquecíveis. Esse retorno foi de reconhecimento das ruas, das esquinas, das calçadas, dos bares, do clima e da energia muito própria. Fim de espetáculo, fomos todos comer baião de dois com carne assada e depois noite adentro no Bar do Odilon, onde cerveja, vinho e cachaça marcaram o ritmo até 4 da manhã. Em qualquer sentido, todos delirantes estiveram felizes e fizeram os outros felizes. E, aliás, vale registrar também o Hotel Monte negro, no centro da praça, onde ficamos hospedados como reis. Uma delícia! Pra se ter uma ideia, no seu pátio tem duas enormes árvores, onde à tarde reinam dezenas de periquitos apaixonados, namorando e gritando! Domingo foi dia de cachoeira e na segunda cedo, partimos de van para Sobral. Sabemos que daqui pra frente, até Paranaíba, no Piauí, vai ser muito, muito calor. Ô vidão!
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