A Santa Ceia de Porto Alegre
Foto de tiete
Porto Alegre – 12 de maio
Teatro de Câmera Túlio Piva
Público aproximado: 200 pessoas
Amigos: Joyce
“O ator é aquele que consegue conservar na idade adulta o maior coeficiente de infância. É muito bonito, porque é tudo uma criancice.”- Ariane Mnouchkine.
Fazer “O Evangelho Segundo São Mateus” no Festival do Palco Giratório em Porto Alegre foi uma experiência dionisíaca e ao mesmo tempo educativa. Nosso espetáculo tem um espírito aberto e todos, absolutamente todos, entramos em cena de coração escancarado, correndo todos os riscos como se estivéssemos andando na corda bamba com cinto de segurança, e nem percebessemos que ele não existe. Somos, hoje, um grupo onde o espírito adolescente, quase descontrolado como um potro selvagem e indomado é determinante. Poderíamos colocar, digamos assim, pingos nos “is” e determinar a forma e a linguagem com uma rigidez apolínea que nos daria grande conforto, mas eu tenho certeza de que estaríamos traindo a proposta; então que é preciso saber equilibrar o novo, com o irrequieto e com o comprometido e profundo. Não é fácil. Fazemos um espetáculo que para estar vivo precisa sempre ser uma experiência. Daí o risco e a falta de cintos de segurança. Em Porto Alegre tínhamos numa ponta da cena a ousadia quase irresponsável e na outra a ousadia curiosa e também ansiosa. Em determinados momentos o espetáculo se desequilibrou, mas como toda a experiência teve que encontrar dentro dela mesma o equilíbrio necessário para que a maionese não desandasse. O público foi incrível. Percebeu a linguagem, topou a parada e resolveu, numa boa, jogar conosco. Em determinados momentos quase que tudo pareceu o contrário. O público era o espetáculo e nós, atores, o público. Risco alto, desafio pleno. A energia geral chegou a 9 pontos na escala Richter e o que parecia a glória, embora fosse, pareceu terremoto. E um terremoto não é a glória da natureza, embora os estragos na criação do homem? Ao final, o debate e a certeza de que o recado tinha sido dado, que fizemos um espetáculo poderoso, a ponto de um funcionário do teatro chegar para mim e exclamar espontaneamente: “Parabéns, vocês arrasaram!”. No recolhimento da van comandada pela Joyce, depois no travesseiro do hotel e ainda hoje, no sono eterno da viagem de avião para Recife, a reflexão era profunda. O que aconteceu? O que deveria ter acontecido? Como deveria ter acontecido? É o adulto e sua experiência colocando as fichas em ordem, e, ao mesmo tempo a criança brincalhona, rindo de si mesma e sabendo que tem muito ainda a aprender. Aprender a cada dia é necessário e fundamental, reencontrar a sua melhor forma, saber que teatro é, como disse Nietzsche, “a harmonia entre Dionísio e Apolo”. Como disse a Janja ao final da apresentação de ontem em Porto Alegre: “Nosso espetáculo é lindo quando tudo acontece na hora certa e no momento exato”. Ela tem razão e sabia que nem tudo tinha sido assim. É preciso cuidar para que a vida delirante não se embriague e sufoque a arte. Mas é assim. Cada dia sendo vivido com suas perfeições e imperfeições. Isso é vida e isso é teatro. A passagem por Porto Alegre foi emocionante e enriquecedora. Tivemos um dos públicos mais geniais de todas as nossas apresentações e afinal, se é preciso escolher (nem sempre é preciso...) entre Apolo e Dionísio; que se opte por Dionísio. Pelo menos é o que eu acho. E vamos para Recife que o tempo não pára.
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