sábado, 16 de abril de 2011

QUANDO É QUE VAI CHOVER DENTRO DE MIM?


Não que não pense, penso. E sempre e muito, mas às vezes a realidade poética de um certo teatro me salta aos olhos. E fico eu aqui, caraminholando quem são as pessoas. Quem são Diogo Borges, Janja, Erica Rettl, Dinho Lima Flor, João Luis Fagundes, Fatima Caio, Guilherme Fernandes, Fabio Caio, Karen Menatti, Jonathan Silva? Quem são Moitará, Delírio, Avany Vaz, Mão Molenga e Cia do Tijolo? Quem são? Um pessoal de outros lugares que não o centro, que sobe ao palco, diz e canta e dança e fala de coisas importantes como Mary Shelley, Villa Lobos, Patativa do Assaré, Fernando Pessoa, Rapunzel e Commedia Del’Arte. Parece tanto e pouco ao mesmo tempo, porque são nomes, no meio de tantos outros das mesmas ideias e cenas, que a gente nunca ouviu falar. Mas se você está no teatro, como aqui em Feira de Santana, em meio ao Palco Giratório do Sesc, vendo artistas e público se dizerem uns aos outros, num movimento que é um vórtice de poesia, fica abismado e percebe que há tanto teatro de verdade, vivo e intenso, acontecendo pra todo lado e que só quem sabe mesmo é quem está nele,  mergulhado na sua efemeridade. Só quem está surfando no vento daquilo que passa como o perfume, o gosto, o cheiro e o toque é que sabe que há um teatro que sobe pelas veias, passa pelo coração e, anônimo, se transforma de novo pra retornar pelas artérias e fazer o Brasil respirar arte e poesia. Xêro de gente!!! Aqui, em Feira de Santana, me sinto privilegiado. Fiz com o Grupo Delírio “O Evangelho Segundo São Mateus”, que foi uma daquelas experiências que valem a vida e assisti às experiências de outros artistas que nunca veria (quem sabe...) se aqui não estivesse. Ontem, por exemplo, assisti “Concerto de Ispinho e Fulô”, da Cia. Do Tijolo de São Paulo. Fiquei de cara. Eles fazem esse espetáculo sobre (e muito, muito mais!) o Patativa do Assaré, já há mais de dois anos, e então que já devem ter recebido os maiores elogios, tantos, que até fiquei sem jeito de dar os meus, tão pequenininhos pareciam. Mas dei, porque também, elogio é como o teatro, existe no vento e o que fica dele mesmo é a troca de olhares intensos que um artista vive com o outro na hora do elogio. Porque os olhos não mentem, menos ainda de um artista para outro. E menos ainda as lágrimas que deles escorrem no meio da emoção que o espetáculo provoca, avançando pra dentro de você por todos os buracos e como somos feitos de tantos (ops!), minúsculos poros, a intensa teatralidade de “Concerto...” deixa você bêbado de tanta elaboração. É um espetáculo que com canto e interpretação (do mais alto talento!) vai te falando de você mesmo, pela poesia do Patativa. Vai te perguntando, pelo signo da seca: “quando é que vai chover dentro de mim?” Vai te falando de outras secas e outras fomes, aquelas para quem, o eu urbano, por exemplo, é matéria de jornal ou metáfora. E você percebe, no meio dele, que você (como eu) que nasci em Curitiba, meio cosmopolita até a unha, sou cearence, por exemplo. Como me sinto baiano agora e como tanto me sentirei viajando pelo Brasil pelo Palco Giratório.  Cante lá que eu canto cá! É quase um mantra que vai se desmantelando espetáculo adentro e dito com rimas, tons e intenções por um elenco afinadíssimo, esclarece o significado da palavra “brasileiro”. E são tantos signos e tão facilmente compreensíveis, porque contados com a maior competência, que a alma de qualquer vivente se escancara e vira muitas, tantas, mais que todas. É sim, um concerto, um desfilar de poemas cantados, contados e explicados. É sim, um teatro moderníssimo, com tijolo, badalos, cerâmica, lona, uns bonecos, pinga, cajuína, água, giz, coisas e, principalmente, palavra, aquela que encanta o mundo. Atuação sofisticadíssima de um elenco afinado por um Diretor Musical em estado de graça e por um Diretor geral e total (todo é) com domínio profundo da narrativa. Teatro que vira a gente do avesso e nos faz de gato e sapato! E os atores! Ah, os atores! Vivos, com domínio completo do gesto, da voz, da música, dos versos e das estrofes. O sertão cantado e contado por “Concerto de Ispinho e Fulô” está dentro da gente, eles esclarecem isso com sorrisos escancarados e lágrimas doídas. Dentro de qualquer um que pode ser descendente de português, índio, espanhol, francês, italiano, alemão, como o Grupo Delírio, por exemplo. Que o agreste dói em qualquer um como a carne de bode e o acarajé dão prazer a qualquer um. E o teatro? Tão dentro da gente!!! E tão popular e tão necessário! “Concerto de Ispinho e Fulô” e seu barroquismo encantado, mais a poetação absurda de tão poderosa de Patativa do Assaré, dão grandeza à nossa arte do palco e abrem portas, mostram até onde se pode chegar com desejo e elaboração. Grande, belo, intenso e vivo teatro! Como diria uma amiga minha de Curitiba: Aí, bom! A Cia. Do Tijolo proporcionou nesta última sexta-feira, uma grande noitada de teatro!!! Quem não viu não sabe o que perdeu! Mas quem viu..... Ah, vida boa!

Um comentário:

  1. Oxi! Que texto mais bonito, renova nossas vontades como ator e pessoa nesse turbilhão de fagulhas efemeras (chamado "vida", né?").

    Foi um encontro unico em que Tiago e eu (Guilherme), podemos conhecer um pouco do jeito de viver desse grupo maravilhoso, fiquei encantado e me senti muito proximo de todos eles. Não vejo a hora de poder sentar para apreciar meus novos amigos artistas.

    Um prazer imenso conhece-los, até Curitiba?!!

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