quinta-feira, 13 de outubro de 2011

TRILOGIA DO RIO MADEIRA (2) – Por Tiago Luz

II - DELÍRIO ÉPICO
“Revoluções Apolíneas e Dionisíacas! Porque o teatro não se faz com apenas um deles e se acaso tentam ele sai manco, deformado. Ou ainda, belo... porém, arrogante e insípido” 

O palco giratório, para os grupos envolvidos, acontece ao longo de um ano inteiro e muita coisa pode acontecer durante esse tempo, como por exemplo, uma atriz engravidar... o que de fato aconteceu. Ou o elenco se modificar de forma radical, em função de outros compromissos ou decisões pessoais... o que também aconteceu. Então que remontar Kafka se tornou um ato de heroísmo, de coragem épica. Um novo texto teve que se adaptar a novos atores e todos os envolvidos se adaptarem à urgência. Aqui cabe uma reflexão sobre a máquina humana e a arte do ator. Nosso cérebro é capaz de realizar façanhas incríveis. Um exemplo? Mais do que isso, comecemos com o nosso diretor e autor (Edson Bueno) que, em meio aos atropelos da vida, sob raios e trovões, conseguiu a façanha de adaptar e dirigir um texto de cinco para três atores e deixá-lo tão genial quanto o primeiro, talvez que a urgência exija de nós apenas o essencial e isso, por si, alcance lugares mais elevados.  Como no caso dos nossos PICULICOS (*) Guilherme, Gustavo e Cecé que em pouquíssimos dias deram conta de promover um espetáculo realmente kafkiano, denso e rico. Que enfrentaram ensaios exaustivos, mas prazerosos, com um sabor raro, que só é capaz de sentir aqueles que ultrapassam os seus limites e ampliam o seu olhar. Quanto à arte do ator quero falar sobre o “NÃO”, um não muito específico. Os atores que dizem não, o dizem de várias maneiras: com o corpo, com o olhar, com o ar que sai do pulmão. O ator que diz “NÃO” pode parecer arrogante, mas é o medo que o leva a dizer não. Que faz com que ele desconsidere o todo e fique surdo, pensando apenas no próprio umbigo, em uma forminha de “decorar” o texto. “Decorar” texto é coisa de apresentação do ensino fundamental quando a “Tia” distribui meia dúzia de falas pqrq cada um e depois faz um jogral. Ou o ator compreende o que esta falando ou vai subir no palco para virar número, ou pior, atrapalhar o colega de cena que terá de compensar a preguiça alheia. O ator que diz não é um repetidor sem entusiasmo, sem vida. É aquele que se deixa tomar pelo medo e tenta desesperadamente passar pela vida com o mínimo de esforço, com o mínimo de sofrimento e também com o mínimo de satisfação que é só o que o medo e a preguiça podem oferecer. Em mais de dez anos de Grupo Delírio ouvi poucos atores dizerem não, alguns seguiram outras profissões ou se contentam em fazer teatro empresa (atividades digníssimas, mas que definitivamente conflitam com o espírito de um artista). Mas ainda bem que em algumas camadas acima dos idiotas da objetividade, como diria o tio Nelson Rodrigues, se encontram os atores que dizem “SIM”. O ator que diz “SIM” é o herói que engrandece a obra. Que transforma uma batalha em poesia e não entra nela pensando apenas em sair vivo. Nesse tipo de aventura é comum acontecer de bobos virarem heróis enquanto as espadas dos que se consideram grandes guerreiros se quebram e suas capas voam perdidas pelo campo de batalha e na lama são pisoteados pelos cavalos dos oponentes.... humhum... bom, o título avisa que é um delírio épico e dito isto há que se desconsiderar até os erros de português. Enfim, como é bom ouvir o “SIM” de um ator. É a certeza de que o mistério do teatro vai acontecer, de que ele reconhece o teatro como arte coletiva e, mais do que qualquer coisa, confia e aposta no seu colega, como um guerreiro que vai para a batalha considerando apenas dois caminhos possíveis, a glória ou a morte, e se prepara com honra para enfrentar os dois. Foi muito bom ver o Gustavo inteiro, com uma presença de cena que só um ator de verdade possui. O mais inseguro em relação ao texto, e o mais preciso na hora do vamos ver, chegando mesmo a consertar um ou outro buraco, prova de que sabia o que estava falando. A Cecelíca desentocando uma toupeira, com a faca nos dentes e uma personalidade docemente sádica, sentindo o ritmo deliriano.  Foi muito bom ver o amigo Guigo Fernandes peleando provavelmente um dos maiores desafios de sua curta, mas intensa e produtiva, vida de ator. Ouvindo sugestões de sutilezas para sua interpretação minutos antes da peça com a humildade que só os bons atores tem. E administrando aquilo que ouviu com a qualidade que só um grande ator tem. O desfecho da batalha de Porto Velho? A glória!!! Porque os guerreiros foram bravos e lutaram com honra. O melhor dessa batalha é que ninguém perdeu, não houve feridos, pois como eu disse a nossa revolução é Dionisíaca, Apolínea.
Apêndice
Depois do espetáculo a maior parte do público ficou p conversar com o grupo, por volta de 100 pessoas. Apesar da densidade da matéria prima do espetáculo a conversa foi leve e agradável. O Gustavo contou de suas inspirações para compor o personagem, o que proporcionou um show a parte. O Guilherme assumindo a responsabilidade com as perguntas sobre o espetáculo, sem ficar muito atrás do Gustavo no quesito comédia. A Cecelíca belezinha, sendo graciosa. E eu, o Fernando e a Rê (aniversariante, linda de vestido novo) dando um pitaco aqui e outro ali, da platéia mesmo. Meia hora depois, com o cenário desmontado, fomos para o hotel aproveitar os espólios da batalha. Mas isso também é outra história.
(*) - termo palco-giratoriano criado pelo elenco e utilizado para indicar quase tudo, de um gole de suco a partes específicas do corpo
humano.

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